Até ser bicampeão da NBA com a camisa do Miami Heat, LeBron James carregava consigo o rótulo de “amarelão” entre jornalistas e fãs menos atentos à liga profissional americana de basquete. Porém, durante a temporada 2009/2010, o ala somou 194 minutos, 45 rebotes, 20 assistências, 12 roubadas de bola e sete tocos nos dois minutos finais de quartos períodos ou de prorrogações em jogos com placar apertado. Em um elaborado cálculo proposto por Harvey Pollack, alcançou 343 pontos em uma estatística avançada que se propôs a medir o poder de decisão de um jogador em partidas apertadas. Dirk Nowitzki, vice-campeão, ficou com 296.
Ok. Mas quem diabos é Harvey Pollack?
Nascido no dia 9/3/1922, Pollack é o empregado mais antigo da NBA. Funcionário do Philadelphia 76ers, é considerado o pai das estatísticas avançadas na liga profissional americana. Além disso, é o único que trabalha desde a fundação do campeonato, há 69 temporadas, até hoje.
A NBA é, atualmente, referência no desenvolvimento, na utilização e na divulgação dos mais variados e complexos tipos de estatísticas. Hoje em dia, por exemplo, em uma digressão pelo site oficial da liga, é possível perceber que Tiago Splitter, o único brasileiro campeão do torneio em toda a história, anota 7,7 pontos por exibição em média nas derrotas do seu San Antonio Spurs, e 7,3 pontos por jogo nas vitórias. Curiosidade que pode ser explicada pelos inúmeros desfalques que a equipe texana sofreu ao longo da temporada.
Mas as ideias hoje disponíveis no site da NBA, cada vez mais elaborada, não estariam ali se não fossem as inovações promovidas por Pollack lá na década de 1960. Foi ele, por exemplo, quem começou a contabilizar os tocos. Além disso, foi dele a ideia de separar os rebotes ofensivos e defensivos nos boxscores de jogos de basquete.
Em 1962, quando Wilt Chamberlain entrou para a história com seu famoso jogo de 100 pontos, era Pollack quem estava trabalhando na atualização do boxscore. Dizem, alias, que foi o estatístico quem fez a placa “100″ que a lenda da NBA exibe na famosa foto após aquela partida. Também há quem diga que foi ele que criou o termo “triplo-duplo”.
Além disso, durante as intertemporadas, tempo em que não tem de se dedicar ao Sixers, Pollack costumava analisar TODOS os boxscores das temporadas anteriores e produzir um livro de estatísticas sobre cada uma delas – o de 2010, por exemplo, está disponível para download no site oficial da franquia da Filadélfia. Nele é possível, entre outras coisas, ver todas as statlines de Chamberlain na temporada 1961/1962 – incluindo o jogo de 100 pontos e 25 rebotes.
Em 2002, Pollack entrou para o Hall da Fama de Naismith. Na ocasião, falou sobre o trabalho estatístico que o consagrou. Confira a seguir a tradução de parte do que ele disse:
Como e quando você começou seu livro estatístico anual?
Na verdade, o primeiro Media Guide do Sixers foi lançado no meio da temporada 1966/1967, quando o Gerente Geral do time, Jack Ramsey, assinou um acordo com a cervejaria Schmitz e autorizou a impressão de um guia de 24 páginas. Em todas as páginas do livro havia um anúncio da Schmitz. Aquele foi o primeiro. O seguinte aumentou para 36 ou 40 páginas, de novo com a cervejaria Schmitz. Na temporada 1968/1969, o dono do time disse que faríamos por nós mesmos. O livro seguinte tinha cerca de 72 páginas. Mas agora, cresceu de 72 para 208, e provavelmente terá 216 neste ano. O Media Guide do Sixers se tornou uma combinação de material sobre o Sixers e sobre a NBA e, ao longo dos anos, o material sobre o Sixers aumentou e o material sobre a NBA aumentou. A partir 1994, ele estava ficando inflexível. Estavam com problemas com a encadernação. Decidiram que, ao invés de um, fariam dois livros. Um livro sobre o Sixers, e um livro sobre a NBA. Dei as boas vindas a isso.
Seu livro estatístico anual é altamente respeitado ao redor da NBA. Nos conte sobre algumas ligações ou visitas que você recebeu de times, repórteres ou jogadores.
A ligação mais interessante que recebi foi de Wilt Chamberlain. Ele constantemente me ligava da Califórnia e me mantinha no telefone, às vezes por horas. Felizmente, era ele quem pagava, não o Sixers. Uma das mais memoráveis foi quando ele disse que o aproveitamento de Michael Jordan nos arremessos a partir dos 3,9624 metros estava abaixo dos 40%. Ele não achava que Michael Jordan arremessava muito entre 3,9624 e 1,524 metros. Então, peguei 20 jogos de Jordan naquele ano e, naqueles 20 jogos, Jordan acertou apenas 38% dos arremessos. Então, peguei mais 20 e encontrei o mesmo resultado. Então eu disse: se eu fiz 40, posso muito bem fazer 82. A avaliação do Wilt estava perfeita. A partir dos 3,9624 metros, Jordan acertava 37,8%. Além disso, ele provou que Jordan arremessava poucas bolas a 2,1336 metros ou menos. Em outras palavras, quando ele chegava a 2,1336 metros e tinha a bola, ele a passava para um colega ou infiltrava para tentar uma bandeja.
No livro, Pat Riley me deu uma. Ele disse que a NBA não registrava o aproveitamento nos arremessos de maneira correta. Deviam separar o aproveitamento nos tiros de dois pontos do de três. Eles separam os de três, mas, de modo geral, não separam os de dois. Então, uma das categorias que mantive foi o aproveitamento nos arremessos de dois pontos. Charles Barkley foi o líder no aproveitamento nos arremessos de dois pontos por anos seguidos.
Rick Carlisle chegou para mim e perguntou se tínhamos uma estatistica que mostrava quem ganhava o tapinha inicial das prorrogações (nós tínhamos). Ele queria comparar quem ganhava jogos a quem ganhava o tapinha inicial. Quando fiz isso para ele, saiu exatamente empatado: 40 a 40. Então eu disse para Rick: “e se eu comparar com quem marca a primeira cesta na prorrogação?” e obtive um resultado diferente: 55 a 25 para quem vence o tapinha inicial.
É legal ver o interesse de Chamberlain, que atuou em uma época muito mais pobre em termos de estatísticas, nesse tipo de número. Além disso, a procura de Pat Riley, atual presidente do Miami Heat, e de Rick Carlisle, hoje treinador do Dallas Mavericks, mostra o quanto Pollack é referência no mundo das estatísticas.
No dia 4 de janeiro, Pollack ficou gravemente machucado após sofrer um acidente de carro e está internado em um hospital em Filadélfia. Aqueles que, como eu, se encantam pela utilização de estatísticas no esporte – ou no basquete, especificamente -, torcem para que ele saia dessa logo. Força, “Super Stat”!